Noite Feliz

Já não sou eu mesma há dias. O inferno recomeçou. É bem verdade que desta vez teve início com uma narrativa diferente da qual estou acostumada, o que só piora as coisas. O embrulho veio com laços enormes, na minha cor preferida e com meu nome gravado neles. Eu estava bem quietinha e ele foi jogado nas minhas mãos, enquanto meus olhos eram vendados. Senti no tato meu nome escrito em auto-relevo. Não levei a sério. Como poderia? Aquele início não condizia com o que eu estava acostumada. Segui pela graça, pela massagem ao ego cheio de cicatrizes... Que mal poderia fazer?
Não sei se fez mal, mas fez confusão. O conteúdo do embrulho parecia se comunicar comigo. Meus dedos se encaixavam perfeitamente em todas as suas curvas. O contato era seguro, fluido, natural. Como caminho de casa. Até que me tiraram a venda e eu vi. O embrulho nas minhas mãos cintilava, atraía olhares e parecia não combinar comigo. Nem o meu suposto nome gravado no laçarote eu conseguia mais reconhecer. Aos meus olhos, agora aquilo era uma palavra escrita num idioma que não sei qual é. Meu ego esfolado teve algumas feridas abertas, se apequenou, se acovardou, teve medo. A massagem inicial tocou onde não devia. Doeu. Saiu um pouquinho de nada de sangue. Pouquinho, mas suficiente para assustar e instaurar um estado de certo choque. Esse presente não pode ser pra mim.
Me vi criança sonhando com o embrulho mais bonito debaixo da árvore de Natal, mas pressentindo, bem lá no fundo, que aquele pacote não seria seu depois da meia-noite. Seria querer demais.
A expectativa, desta vez, tem me agoniado mais do que o normal. Decidi, então, que vou adiantar os ponteiros do meu relógio. O ponto alto da noite vai chegar mais cedo, para que eu descubra até que ponto ela - a noite. Ou seria a vida? Ou seria eu? - está mesmo disposta a ser feliz.

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