A mulher do palco


Ela tem só seis anos, mas não parece. No começo foi complicado colocá-la para fora. Doía, dava mal estar... Um parto mesmo. Mas ela foi forçando a barra para se mostrar ao mundo. Toda afoita, num instante tomou forma e me saiu totalmente do controle. Mais forte que eu.
É por ela que as pessoas perguntam - "Quando ela aparece? Quero vê-la! Me avisa! Ela está a cada dia melhor!" -, é ela que atrai interesse e olhares. Maior que eu. Maior que todas as eus: a que escreve, a jornalista... Todas dão de ombro e, aqui dentro de mim, abaixam a cabeça para ela. Ela se impõe a nós com todo o seu tamanho, mas é no sorriso que nos vence. Porque como se não bastassem todos os seus predicados, ela ainda é a mais feliz de todas. Quando nos encara com o maior dos sorrisos e o mais ofuscante do brilho nos olhos, ela leva com facilidade as coisas para o campo do incontestável. Damos o braço a torcer, porque se torna impossível negar que somos melhores quando somos ela e é ela que está ao volante. 
Melhor que eu. Ela é segura de si e sabe o que faz com a voz e com o corpo. Sabe onde pisar, para quem olhar e como. Tem um certo poder, sabe disso, sabe usá-lo e não se constrange. Sabe o que dizer e o tom que deve usar. Faz o que dá na telha, na hora. E dá certo. Ela aposta na naturalidade e vence toda vez. E como se diverte! Sem presunção, sem pisar em ninguém, sem esperar demais ou de menos... Ela só vai lá e brinca. Sempre que chega o momento dela e eu começo a reviver aquela agonia de antes dela existir, ela põe a mão no meu ombro e fala com calma:
- Eu assumo daqui.
Então ela pega os meus medos todos na palma da mão, com a maior facilidade. A mim, eles paralisam, mas nada podem contra ela. São gentilmente depositados, pequenininhos, na região do meu ventre. Num piscar de olhos, ela os ordena que passem de seres assustadores à sensação de prazer contida no desafio. Eles prontamente obedecem e viram frio na barriga. E ela segue para o seu território sagrado, de cabeça erguida. A mulher do palco. Ela sou eu também. Embora não sejamos uma só na maior parte do tempo.
Às vezes a gente discute. As outras eus ficam enciumadas porque ela se sobressai. É como nosso cartão de visita: sempre que nos apresentam a alguém, é ela que vai na frente, de referência. Ficamos nós, as outras, com medo que ela faça as pessoas criarem expectativas a nosso respeito que não possamos corresponder. Então eu respiro e tento nos aquietar. Somos todas eu, afinal de contas. Não há sentido nesta discussão. 
A mulher do palco anda reivindicando mais espaço e mais tempo no comando. "Somos melhores comigo à frente", ela dispara. Peço silêncio, mas sei que ela tem razão. Todas as eus concordam. Mas é imprevisível aonde mais essa louca pode nos levar. Um dia descobriremos. Ou não. Independente disto, sigamos. O importante é não parar. "Somos quem podemos ser. Sonhos que podemos ter..."

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