Vou te alforriar, vou te deixar fugir

@jogueiareguafora

Nunca fui boa com despedidas. Apartar-me de lugares, hábitos e situações nunca foi fácil para mim. Em se tratando de pessoas, o processo é ainda mais difícil. Sou apegada, confesso. Em minha defesa digo que sou uma apegada dócil, inofensiva e bem treinada. Se tem de ir, deixo que vá e com o meu apego lido eu.
Falando assim parece que dói mais, essa coisa de ter que se acertar sozinho com o próprio oco que fica quando algo ou alguém se vai. Até porque, quando alguém a quem nos apegamos nos deixa, geralmente essa pessoa não vai embora sozinha. Leva com ela coisas que lhe pertencem e que nos farão falta. Pode levar também coisas nossas que doamos e não podemos reaver. Presente material até tem quem devolva, mas quando se trata de emoção e sentimentos o buraco é mais embaixo. A transação não se desfaz. Às vezes o sentimento que a pessoa leva, nem usa, nem guarda. Descarta na primeira esquina. E uma reciclagem não é possível. O vazio que fica, só algo totalmente novo pode preencher. E isso não acontece imediatamente. O vazio. É preciso encará-lo e lidar com ele.
Não grito. Não faço cena. Não esperneio. Não imploro que fique. Porque o apego de que falo é diferente de posse. Falo aqui da facilidade em sentir falta. Falo aqui da sensação de desconforto - por vezes dolorida mesmo - em deixar ir. Falo aqui da generosidade consigo e com o outro em permitir que ele vá quando quiser, mesmo que isso simbolize o avesso de desejos, planos e sonhos cuidadosamente cultivados por nós. Se tem uma coisa que defendo com unhas e dentes desde sempre, é o direito que todo ser humano tem de não ser obrigado a absolutamente nada. Logo, querer ir é também um direito do outro, uma vez que não é justo obrigá-lo a ficar. Ninguém é obrigado a nada. 
No entanto, deixar ir - mesmo desejando o contrário - tem mais a ver com olhar para si e para o próprio o bem, do que para o bem de quem se vai. É claro que tentamos ser civilizados e maduros, e desejar o melhor para a outra pessoa, mas somos de carne e osso e nem sempre se consegue isso. É então que se deve voltar o olhar para si mesmo. Alguém que fique em nós por quaisquer outras razões que não a vontade própria e genuína nunca vai nos fazer felizes, mesmo que se esforce. Não é a simples presença de uma pessoa que vai nos trazer a felicidade, mas sim tudo que se constrói em conjunto, a partir dela. Quem fica porque por algum motivo se deixou aprisionar é um ser pela metade. Gente incompleta não constrói nada direito, se nem tem o próprio alicerce forte.
A melhor escolha, por mais difícil que seja optar por ela, ainda é deixar ir. Cazuza que me desculpe, mas não me interessam nem raspas, nem restos e nem reféns. Minhas portas de saída estão sempre abertas: ninguém perde a liberdade ao entrar. Por nobreza e mais ainda por amor próprio, deixo ir tudo aquilo que não quer ficar.

Comentários

Postagens mais visitadas