Atrasei ponteiros pra ficar

@jogueiareguafora

- Eu quero o divórcio.
A frase ecoava no ambiente vazio. O outro lado não podia se dizer atônito, perplexo... Nada disso. Nem mesmo minimamente surpreso. O rompimento, mais que esperado, era desejado e necessário. Ela precisava apartar-se dele para crescer, e assim, perseguir a sua felicidade. Mas por mais que desejasse imensamente a separação, não era sem algum rastro de dor que optava por ela. Eram anos de esforço em manter a relação que estava se esvaindo, junto com seus sonhos de menina.
Talvez a pouca idade tenha mesmo sido a responsável pelo desencanto. Era muito jovem quando escolheu-o e obstinou-se a não largá-lo por nada. Para completar o pacote, não era com bons olhos que sua família via a união. Havia ali o alimento para toda alma jovem que se preze: o desafio. A quase transgressão que excitava, ainda mais a ela, sempre tão certinha e preocupada em seguir as regras. Era a sua chance de rebelar-se e afirmar-se crescida. Era ele e não conseguia ver-se ao lado de outro. Estava decidida e não importava que argumentassem, mostrassem a ela relacionamentos passados dele que haviam fracassado. Não que pensasse que tudo seria um mar de rosas. Tinha ciência das dificuldades, mas acreditava que o amor compensaria.
Ah, o amor... Essa coisa que acende e ascende dentro de nós. Nos dá coragens que nem supomos ter. Foi assim que aconteceu com ela. Teve coragem de seguir mesmo com todos os avisos de ventos contrários. Precisava experimentar e pagar o preço pelo risco. Escolheu-o aos 14. Aos 17, veio o noivado. Foi longo, cheio de altos e baixos, com crises e discussões. Quando casaram, ela estava com 21. O olho já não mais brilhava, a irritação era quase constante... Mas mesmo assim, assinou os papéis. Um pouco por teimosia e mais outro tanto por orgulho, casou-se com ele mesmo sabendo que, bem lá no fundo, já não o amava.
A vida ao lado dele era bem complicada. Nada do que ela fazia parecia suficiente para viver em paz. A realização que ela esperava sentir, mesmo apesar das dificuldades já esperadas, não veio, afinal. Sentia que estava se sacrificando por muito pouco, quase nada. Fora os sacrifícios diários que tinha de fazer para continuar vivendo aquela história, havia certas coisas que terminavam respingando em pessoas queridas. Aí já era demais. Se nem ela acreditava mais que aquele amor valia o preço que cobrava, imagine só aqueles que nada tinham a ver com aquilo.
- Eu quero o divórcio.
A voz saiu mais firme desta vez. Ele sabia que ela já vislumbrava uma outra vida, sem ele. Não era uma paixão avassaladora, como a que viveram um dia. Também não era amor. Ainda. Era algo sereno, estratégico, quase racional... Uma possibilidade de ser estável e seguir a vida. Ele não podia mais segurá-la. Agora estava claro: em tudo que viveram, durante todo esse tempo, ela escorria um pouco por entre os dedos dele.
- Você entende? Não posso viver assim, aqui, com você. - Havia na voz dela uma tristeza sincera. Partir não era exatamente fácil.
- Você se arrepende? - Perguntou ele, cabisbaixo.
- Não. - Era só o que ela podia dizer.
Estava terminado, afinal. Aliás, estava finalmente sacramentado um fim que se deu lá atrás, mas que ambos tentaram ignorar. Por teimosia, ela foi até o fim, e depois adiou-o. Mas agora estava livre. Foi sincera quando disse não se arrepender da vida vivida ao lado dele. Aos trancos e barrancos, cresceu e conheceu mais ao mundo e a si própria. Agora era a hora da sorte de um amor tranquilo. Não sabia bem aonde ia. Mas foi.

♫ Pedro Viáfora - Amanhecendo

Comentários

Postagens mais visitadas