Carta

@jogueiareguafora

Afonso,

Queria dizer-te que te esperaria de bom grado, por anos a fio, como esperei aos outros, que nunca vieram. Mas o problema, meu bem, é que tu chegaste a vir. Vieste antes que te chamasse, ou mesmo antes que eu pusesse meus olhos em ti. Vieste. Vieste e conquistaste cada centímetro meu, depois bagunçaste tudo. Ai de mim, que nem mesmo te queria, mas fui enfeitiçada, só para viver uma brevidade em teus braços e depois não saber lidar com tua partida sem aviso prévio. Provar de ti fez-me dependente.
Escrevo-te como se tu fosses outra pessoa e como se eu também não fosse eu. Nem mesmo chamas-te Afonso, mas escrevo-te com codinome e num tom antigo, para enganar-me que nosso amor é história de séculos passados e, assim sendo, nem mesmo é nosso. Escrevo-te sem saber se deveria usar essa palavra - amor - porque ela é imensa de um tamanho que não permitiste que fôssemos. No entanto, teimo em usá-la, pois pessoas antigas não gostavam de ninguém, elas se apaixonavam e amavam imenso. E eu tanto quis amar-te imenso, que cá estou entregue à inconformação diante de teu silêncio.
Teu silêncio me fere porque não sei interpretá-lo. Não é a falta de som em si o problema, mas sim não saber o que ela significa. Ora, também eu calei muito, afinal. Calei porque eu e tu, no fim das contas, somos parecidos. Calei por não saber colocar em palavras o que me batia aqui dentro quando estava em tua companhia. Calei por achar que era tolo, infantil e carente eu ter me encantado de pronto. Calei-me por achar que te assustarias e, assustado, irias embora. No entanto, calei-me e foste embora mesmo assim.
Todos os manuais orientam-me a deixar-te de lado, esquecer-te e seguir com a minha vida. Todos estão certos. Eu sempre fui um ser humano meio errado. Para todos os efeitos, que conste que não mais te quero e que não te aceitaria jamais. Finjo para que os outros não me amolem com cousas que não quero discutir. E não quero discutir porque os outros têm razão, mas isto lá é cousa que não cabe dentro do amor.
É bem verdade que sigo. Mas lá no fundo, brinco de enganar-me que esta é mais uma de tuas demoras - uma mais prolongada que as outras - e que logo apareces ao meu portão. A probabilidade maior é de que não voltes, mas sabe lá que rumo têm as histórias que moram nos braços de Deus. A vontade divina não segue estatísticas. É nisso que ponho o último punhado de fé que tenho em nós. Se tivermos de ser, não há verdade universal que limite o nosso amor.
Que conste nos autos que te esqueci. Mas que vá em letras miúdas no roda-pé: se quiseres voltar, estarei no mesmo canto. Esperando-te. Mesmo fingindo que não.

Com um amor descabido de ainda tão teu,

Elisa

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