Mesmos dias ocos, de humores instáveis

Hoje eu aceitei que você foi embora. E amanhã, veja você, seria nosso aniversário. Não fomos longe. Constato isso com algum pesar. Hoje também estive no cenário do nosso início e me doeu, porque ele está cada vez mais distante. Seja em relação ao tempo, ou num comparativo entre a realidade que tínhamos e a atual. Você me soltou rápido demais e até agora eu não entendi. Não sei exatamente em que ponto a minha vida passou a ser desinteressante para você. Não sei quando eu deixei de ser interessante para você.
Me dói todos os dias a ausência dos seus sinais. O seu silêncio é uma ofensa com a qual não fui preparada para lidar. Isso porque não fui eu que dei o primeiro passo. Foi você que me estendeu a mão e me largou bem no momento em que me vi afeita aos carinhos que os nossos dedos trocavam, entrelaçados. Dar doce à criança para depois tomá-lo é covardia.
Mas a vida não para. A minha tem se movido num turbilhão. Muitas coisas vieram - você, inclusive, que veio e não ficou -, e tenho agora à minha frente milhões de pedaços de um futuro totalmente inesperado. Me vejo às vezes um tanto assustada e vou só seguindo o fluxo dos acontecimentos. Soltando as rédeas e deixando que sejam as coisas que tiverem de ser. A mente segue ocupada com pensamentos que  giram dentro da cabeça, mas há pelo menos um pensamento latejado e constante, atado às paredes do meu cérebro. Você. Faço milhões de coisas ao longo do dia, mas nas primeiras e últimas palavras da minha consciência é você que está, absoluto. Meu travesseiro não aguenta mais ouvir seu nome e muito menos a chuva que ele traz à minha fronha.
Tem dias que consigo me ensolarar de dentro para fora. Em outros, nem tanto. E há também aqueles dias, como anteontem, em que te procuro, mesmo sabendo que não deveria. Te procuro e me contento com as migalhas de não ser ignorada. Que fase. Também não tenho conversado tanto com os meus amigos e me sinto terrível por isso. Alguns me cobram. Ponho a culpa nas ocupações. Mas a verdade é que não tenho vontade de assuntos que não te envolvam e, sobre você, todos os meus amigos já ouviram demais. Não quero chatear ninguém. Às vezes nem eu mesma posso comigo.
A verdade é que também sinto um pouco de vergonha por tanto sentir. Mas não posso evitar. Racionalmente, sei decor e salteado todo o manual que diz: "há que se amar a si, que se seguir em frente e que ser mais você". Teorias fáceis de falar e escrever no espelho. Sentimentos não seguem receitas prontas e pessoas também não. Muitas vezes sabemos o que fazer, mas escapa ao nosso controle aquilo que sentimos.
Uma amiga me disse algo interessante quando falei que não queria fechar essa porta ainda e que queria que você a soubesse aberta, só por desencargo de consciência. Ela falou: "não precisa fechar. Mas guarda". Guardei. Guardei a porta e tudo que há atrás dela numa gaveta. Deixo-a ao alcance da minha visão periférica e sigo com o olhar fixo nas coisas minhas, buscando equilíbrio. Buscando transparecer esse equilíbrio. Estamos - nós dois - guardados em mim, no meu cômodo mais bonito. Somos um mundo de possibilidades inexploradas onde ainda consigo ver beleza. Um mundo no qual ainda conservo um fiozinho de fé. Um mundo numa redoma. Um mundo onde eu ainda aceitaria viver, se você quisesse. E viesse.

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