Eu só vou falar na hora de falar

@jogueiareguafora
Quem antes ria sozinha pelos cantos da casa, agora chora só. Os olhos - cujo brilho denunciava uma alegria insuspeita - agora evidenciam uma outra coisa. O inchaço das pálpebras ela não podia mais esconder.
Tem chorado todos os dias. Em alguns um pouco mais, em outros um pouco menos. Tem dormido pouco, comido pouco, falado quase nada. Se era difícil esconder a euforia da paixão, tem sido impossível ocultar o coração partido.
Tem economizado palavras com os amigos porque não quer incomodar ninguém. Suas conversas têm girado em torno de um único assunto e ele não é interessante, nem mesmo para ela. Porque, na verdade, esse tal assunto a machuca.
Foi deixada à própria sorte, mergulhada num silêncio que não compreende. Mais que não compreender, não aceita. Lembra de gostos, toques, sons, expressões faciais... E agora não há mais nada. Sequer um rastro de tudo isso que a vinha preenchendo de maneiras inéditas. Se culpava também, de certa forma, porque só quando encarou o vazio foi que dimensionou quão grande as coisas haviam se tornado. Apartamento vazio é sempre maior.
Em sua inconformação, há o impulso de talvez, agora, falar. Usar a seu favor o fato dolorido de não ter mais o que perder. O ímpeto pode ser sua inquietude, típica da fase de negação do seu luto. Sim, luto. Há uma perda aqui. E uma das bem doloridas.
Estava acumulando coragens. Ora adiando, ora sem querer perder mais tempo. Até aqui tudo já tinha sido diferente das outras vezes. Falar poderia ser mais uma das diferenças adicionadas ao pacote. Sempre foi uma tagarela calada. Falava muito, mas por vezes guardava coisas essenciais. Em se tratando de amor, a coisa piorava um pouco. A lembrança adolescente de ter tido o sentimento feito de piada não ajudava nem um pouco. Mas eram recordações que tentava afastar. É uma mulher agora. Deve rebelar-se. E vai. Assim que o mínimo de coragem lhe vier. E há de vir.

♫ Secos e Molhados - Fala

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