Cinco dias

@jogueiareguafora
Andava para um lado e para o outro, entrando e saindo dos cômodos de sua casa, vagando como fosse alma penada. E era, de certa forma. Estava penando de paixão, essa coisinha infame que há muito não lhe tomava, mas que nos últimos tempos deu de fazer graça e se instalar. A paixão enquanto palavra, ela evitava usar. Fugia dela como o diabo da cruz. Não se reconhecia apaixonada, porque o reconhecimento tornaria tudo real demais. E daí para se ter aquela coisa ainda mais complicada - amor, o nome que dão - seria um pulo. Ainda mais para ela, sempre dada a descuidos sentimentais.
"Como que afeto se perde em cinco dias?", pensava consigo mesma. Mas a conta não fechava. Ele havia, enfim, sumido. Do jeitinho que ela temia e dizia, desde o comecinho da história. Evaporou. Chegou o dia da iminente ruptura. Ela, que não aceitava estar apaixonada, tinha que encerrar duas negações distintas. Primeiro, ele havia ido embora. Ela fingiu que não o viu saindo de sua vida de fininho, mas agora que a partida fora concluída, não dava mais para ignorar. Não podendo ignorar, doía. E doendo, eis o diagnóstico: ela havia se apaixonado por ele.
A agonia começou na quarta à noite e foi entrando pela madrugada da quinta. Estava sentindo um frio descabido para a sua cidade, ainda mais àquela época do ano. Devia ser loucura, abstinência ou ambas. Sua pele se arrepiava, fazendo-a lembrar de um outro tipo de arrepio, do qual provara cinco dias antes, na última vez em que estiveram juntos. Era ele cheirando o seu pescoço com um desespero asmático, como se a pele dela lhe fosse o oxigênio vital, e o corpo dela respondia amolecido entre os braços dele.
Os braços dele... Outra passagem de que se lembrava - fora aquelas indecentes demais para serem partilhadas - era de se abraçarem fortemente. Sua boca fazia silêncio, mas sua própria voz ecoava dentro da cabeça, implorando para que não fosse deixada por ele nunca. Quase uma prece. Pedia sem emitir sons e punha ainda mais força em seus braços, que o envolviam. Ele parecia decifrar seu gesto e respondia apertando também o nó no qual a enlaçava. Era o melhor lugar do mundo. Ela queria parar o tempo. Não pôde. Ninguém pode.
Tudo que começa, termina e nem sempre avisa quanto tempo dura. O abraço mais apertado que deu na vida, sentindo nele uma correspondência de carinho, agora sabia: era, na verdade, uma despedida. Só o que não conseguia saber era como podia o afeto, tão bonito e graúdo, se perder em cinco dias. Como se nunca tivesse existido, e deixando marcas de um lado só.

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